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A ARTE DE VIVER

Ocupe-se apenas do que você pode controlar. Mantenha sua atenção inteiramente concentrada no que de fato lhe compete e tenha sempre em mente que aquilo que pertence aos outros é problema deles, e não seu. Se agir assim, estará imune a coações e ninguém o poderá reprimir. Será verdadeiramente livre e eficiente em suas ações, pois seus esforços serão canalizados para boas atividades, e não desperdiçados em críticas ou confrontos com outras pessoas. Tendo conhecimento e dando atenção ao que de fato lhe compete, não será obrigado a realizar qualquer coisa contra sua vontade. Os outros não poderão feri-lo, você não fará inimigos nem será prejudicado. Se o seu objetivo é viver de acordo com esses princípios, lembre-se de que não será fácil: você deverá abrir mão de algumas coisas e adiar outras. É possível que até mesmo precise privar-se de riquezas e poder se quiser atingir a felicidade e a liberdade.


Reconheça as aparências pelo que realmente são. De agora em diante pratique dizendo para tudo o que
parecer desagradável: “Isto é só aparência e de modo algum o que parece ser.” E, então, examine cuidadosamente a questão de acordo com os princípios que acabamos de considerar. Em primeiro lugar: “Esta aparência se refere às coisas que estão sob meu controle ou às que não estão?” Se a questão estiver relacionada com qualquer coisa fora de seu controle, treine a si mesmo para não se preocupar com ela.


Veja as coisas como elas são. As circunstâncias não ocorrem para atender às nossas expectativas. Os fatos
acontecem como têm de acontecer. As pessoas comportam-se de acordo com o que são. Acolha as coisas que de fato conseguir. Abra os olhos: veja as coisas como elas são e preserve-se assim da dor causada pelos falsos apegos e os estragos evitáveis. Pense no que lhe dá prazer: os instrumentos, sejam quais forem, de que você depende, as pessoas que lhe são caras. Mas lembre-se de que cada uma delas tem caráter próprio, separado, independentemente da maneira como as vemos. Como exercício, pense nas menores coisas às quais você está ligado. Por exemplo, vamos supor que você tenha uma xícara favorita. É, afinal de contas, apenas uma xícara e, caso ela se quebre, você pode lidar com o fato. Em seguida, passe para coisas mais importantes–ou pessoas– às quais você se sente mais apegado. Lembre-se sempre, por exemplo, quando abraçar seu filho, seu marido ou sua mulher, de que está abraçando um ser mortal. Assim, se um deles morrer, você será capaz de suportar a dor da perda com maior serenidade. Quando algo acontece, a única coisa que está em seu poder é sua atitude com relação ao fato. Suas alternativas são a aceitação ou o ressentimento. O que realmente nos assusta e desanima não são os acontecimentos externos em si, mas a maneira como pensamos a respeito deles. Não são as coisas que
nos perturbam, mas a forma como interpretamos seu significado. Pare de se atemorizar com noções
irrefletidas, reações impulsivas e com suas impressões sobre como as coisas são! As pessoas e as coisas não são como desejamos que sejam, nem o que parecem ser. São aquilo que são.


Harmonize suas ações com a maneira como a vida é. Não tente fazer suas próprias regras. Comporte-se, em todas as questões, grandes e públicas, pequenas e domésticas, de acordo com as leis da natureza.
Harmonizar sua vontade com a natureza deveria ser o seu maior ideal. Onde você pode praticar esse ideal? Nos detalhes de sua vida diária, com suas tarefas e seus deveres pessoais e específicos. Quando realizar essas tarefas, tais como tomar banho, por exemplo, faça-o, tanto quanto lhe for possível, em harmonia com a natureza. Quando comer, tanto quanto lhe for possível, faça-o em harmonia com a natureza. E assim por diante. O que fazemos é menos importante do que a maneira como o fazemos. Quando compreendemos realmente esse princípio e vivemos de acordo com ele, embora as dificuldades continuem a surgir–já que também são parte da ordem divina–, ainda assim será possível ter paz interior.


Não são os acontecimentos que nos ferem, mas a visão que temos deles As coisas em si não nos ferem ou nos criam obstáculos. Nem as outras pessoas. A questão está na forma como as encaramos. São nossas atitudes e reações que nos criam problemas. Sendo assim, até a morte deixa de ser tão importante. É a nossa noção da morte, a ideia que fazemos dela que é terrível, que nos aterroriza. Existem muitas maneiras de pensar na morte. Examine suas noções a respeito da morte–e também sobre tudo o mais. Essas noções são de fato verdadeiras? Fazem algum bem a você? Não tema a morte ou a dor, tema o medo da morte ou da dor. Não podemos escolher as circunstâncias externas de nossa vida, mas sempre podemos escolher a maneira como reagimos a elas.

— A arte de viver de Epicteto

OS CONCEITOS E A REALIDADE

Os conceitos são universais. Por exemplo, a palavra “folha” poderia ser aplicada a cada folha de uma árvore; a mesma palavra se aplica a todas essas folhas individuais. Além disso, a mesma palavra se aplica a todas as folhas de todas as árvores, grandes, pequenas, macias, secas, amarelas, verdes, folhas de bananeira. Então, se eu disser a você que vi uma folha esta manhã, você realmente não tem uma ideia do que eu vi. Você tem uma ideia do que eu não vi. Eu não vi um animal. Eu não vi um cachorro. Eu não vi um ser humano. Eu não vi um sapato. Então você tem algum tipo de vaga ideia do que eu vi, mas não é particularizado, não é concreto.

“Ser humano” não se refere ao homem primitivo, não ao homem civilizado, não ao homem adulto, não a uma criança, não a um homem ou a uma mulher, não a esta época particular ou outra, não a esta cultura ou outra, mas ao conceito. O ser humano é encontrado concreto; você nunca encontra um ser humano universal como o seu conceito. Portanto, seu conceito aponta, mas nunca é totalmente preciso; sente falta de singularidade, de concretude. O conceito é universal.

A pessoa concreta eu tenho que ver por mim mesmo, experimentar por mim mesmo, intuir por mim mesmo. O indivíduo pode ser intuído, mas não pode ser conceituado. Uma pessoa está além da mente pensante. Tudo o que você tem é um rótulo. Você realmente não conhece a pessoa.

O conceito sempre perde ou omite algo extremamente importante, algo precioso que só se encontra na realidade, que é a singularidade concreta. O grande Krishnamurti colocou isso tão bem quando disse: “No dia em que você ensinar à criança o nome do pássaro, a criança nunca mais verá esse pássaro”. Como é verdade! A primeira vez que a criança vê aquele objeto fofo, vivo e em movimento, e você diz a ele: Pardal”, então amanhã, quando a criança vê outro objeto fofo e em movimento semelhante a ele, ele diz: “Oh, pardais. Já vi pardais. Estou entediado com pardais.”

Se tudo o que você experimenta é o seu conceito, você não está experimentando a realidade, porque a realidade é concreta. O conceito é uma ajuda, para levá-lo à realidade, mas quando você chega lá, você tem que intuir ou experimentá-lo diretamente. Uma segunda qualidade de um conceito é que ele é estático, enquanto a realidade está em fluxo. Usamos o mesmo nome para as Cataratas do Niágara, mas esse corpo de água está em constante mudança. Você tem a palavra “rio”, mas a água lá está constantemente fluindo. Você tem uma palavra para o seu “corpo”, mas as células do seu corpo estão constantemente sendo renovadas.

No momento em que você coloca as coisas em um conceito, elas param de fluir; tornam-se estáticos, mortos. Uma onda congelada não é uma onda. Uma onda é essencialmente movimento, ação; quando você a congela, não é uma onda. Os conceitos estão sempre congelados. A realidade flui. A realidade é inteira, mas palavras e conceitos fragmentam a realidade. As ideias realmente fragmentam a visão, a intuição ou a experiência da realidade como um todo. As palavras não podem darlhe a realidade. Elas só apontam, elas só indicam. Você as usa como indicadores para chegar à realidade. Mas uma vez que você chega lá, seus conceitos são inúteis.

Se você me perguntasse: “O que você viu?”, o que você acha que eu responderia? Não tenho nenhuma palavra para isso. Não há palavra para a realidade. Porque assim que eu coloco uma palavra para isso, estamos de volta aos conceitos novamente.

Como é essencial para o ser humano não apenas observar a si mesmo, mas observar toda a realidade. Você está aprisionado por seus conceitos? Você quer sair da sua prisão? Então veja; observe; passe horas observando. Assistindo o quê? Qualquer coisa. Os rostos das pessoas, as formas das árvores, um pássaro em voo, uma pilha de pedras, observe a grama crescer. Entre em contato com as coisas, olhe para elas.

Espero que você saia desses padrões rígidos que todos nós desenvolvemos, do que nossos pensamentos e nossas palavras nos impuseram. Tomara que vejamos. Que triste se passarmos pela vida e nunca a vermos com os olhos de uma criança.

Isso não significa que você deve abandonar seus conceitos totalmente; eles são muito preciosos. Embora comecemos sem eles, os conceitos têm uma função muito positiva. Somos convidados, não a nos tornarmos crianças, mas a nos tornarmos como crianças.

Do livro Awareness de Anthony de Mello

Compreensão

Só pode haver percepção quando ela não está impregnada de pensamento. Quando não há nenhuma interferência oriunda do movimento do pensamento há percepção, que é uma compreensão imediata de um problema ou das complexidades humanas. Quando se trata de investigar, por nossos próprios meios, como pensar de maneira simples e direta, as definições, e explicações são verdadeiramente prejudiciais. Parece me, pois, que devemos estar bem cônscios de nossa escravização às palavras, sem perdermos de vista, entretanto, que as palavras são necessárias para as comunicações.
Quando você vê o copeiro, tem, um conceito prévio dele; isso não é percepção. Existe um ver sem preconceito? Só uma mente que não tem conclusões prévias pode ver. Olhar esse copeiro sem a prévia
acumulação de preconceitos ou imagens psicológicas é olhar. Portanto, é possível ver sem observador. O
observador é o resíduo do passado e por Isso não pode ver. Se há de haver percepção, o observador deve estar ausente. O pensamento é conhecimento, o qual foi acumulado através da cultura. O pensamento é resposta da memória. Tenho descartado tudo isso. A mente que é livre, altamente sensível, já não está mais carregada com o passado, nessa mente não há observador em absoluto, não há um “eu” que observe. O “eu” é o observador, o “eu” é o passado. Assim é que descartamos a ambos: o observador e o conhecimento; no perceber está a ação de descartar. Quase todos os homens são meros seguidores: consideram autoridade o criador de qualquer coisa e, através da propaganda, das influências, da literatura, imprimem na delicada estrutura cerebral a necessidade de obediência. Que acontece a vocês quando obedecem? Param de pensar. Porque sentem que as autoridades sabem muito, são poderosos, de grandes recursos. Assim, vocês sucumbem, rendem-se, começam a obedecer, se tornando escravos de uma ideia, de uma impressão, da influência. Ao conformar-se a um padrão de obediência, o cérebro já não é capaz de manter sua originalidade, de pensar de maneira simples e direta.
A compreensão não é um dom reservado a poucos, pois vem a todos os que se aplicam seriamente
ao conhecimento de si mesmo. Quando a mente está comparando, não está quieta, está ocupada. Uma mente ocupada é incapaz de percepção simples e clara. É possível olhar, ver, sem essa atividade mental? A atividade mental é sempre pensamento, na forma de ideia, de memória; por conseguinte, não há percepção direta. A percepção pode ser imediata, independe do tempo. Não há nenhum processo gradual de “aprender e perceber”. O que estamos tentando averiguar é se pode haver experiência direta, destituída de todo e qualquer conhecimento, toda instrução, de modo que essa experiência seja verdadeira, e não mera reação de nosso condicionamento como hinduísta, budista, cristão. Mas, tudo o que nos interessa aqui é descobrir se a mente pode, de pronto, despojar-se desta crença, condicionamento, a fim de que surja a percepção direta. Podemos viver mil vidas, praticando autodisciplina, sacrificando, subjugando, meditando, mas por este meio nunca seremos levados à percepção direta a qual só é realizável em plena liberdade, e só pode aparecer com a liberdade, quando a mente se torna cônscia, de pronto, de seu condicionamento, pois então se verifica a cessação desse condicionamento. Isso é difícil para a maioria de nós, porque pensamos que a compreensão é questão de tempo, de comparação, de acumulação de mais informações, mais conhecimento. Mas a compreensão nada disso exige. Só uma coisa ela exige, que é a percepção direta, o ver diretamente, sem interpretação ou comparação.
Quando desejo compreender, examinar uma coisa, não tenho necessidade de pensar: contemplo-a. No
momento em que começo a pensar, a ter ideias e opiniões a respeito da coisa, já me encontro num estado de distração que me desvia da coisa que desejo compreender. Mas, sem dúvida, uma mente que está muito tranquila, que não está sendo distraída pelo seu próprio pensar, que se acha aberta, pode olhar para o problema de maneira muito direta e muito simples. Devemos ser capazes de discernir
compreensivamente, em nós mesmos, a influência que a massa exerce por meio das tradições, dos preconceitos de raça, dos ideais e das crenças a que nos entregamos consciente ou inconscientemente. Enquanto essas coisas nos dominarem, seremos individualmente incapazes de ação clara, direta, simples e compreensiva. Mas só poderão viver completamente quando tiverem a percepção direta, e a percepção direta não se atinge através da escolha, do esforço nascido da memória. Ela está na chama da harmonia da mente e do coração na ação.


J. Krishinamurti

O Que É Esclarecimento?

Esclarecimento significa a saída do homem de sua minoridade, pela qual ele próprio é responsável. A minoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela de outro. É a si próprio que se deve atribuir essa minoridade, uma vez que ela não resulta da falta de entendimento, mas da falta de resolução e de coragem necessárias para utilizar seu entendimento sem a tutela de outro.

Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento, tal é, portanto, a divisa do Esclarecimento. A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma parte tão grande dos homens, libertos há muito pela natureza de toda tutela alheia, comprazem-se em permanecer por toda sua vida, menores; e é por isso que é tão fácil a outros instituírem-se seus tutores. É tão cômodo ser menor. Se possuo um livro que possui entendimento por mim, um diretor espiritual que possui consciência em meu lugar, um médico que decida acerca de meu regime, etc., não preciso eu mesmo esforçar-me.

Não sou obrigado a refletir, outros se encarregarão por mim da aborrecida tarefa. A maior parte da humanidade considera o passo a dar para ter acesso à maioridade como sendo não só penoso, como ainda perigoso, sem os tutores que tiveram a “extrema bondade” de encarregar-se de sua direção. Após ter começado a emburrecer seus animais domésticos e cuidadosamente impedir que essas criaturas tranquilas sejam autorizadas a arriscar o menor passo sem o andador que as sustenta, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentam andar sozinhas. Ora, esse perigo não é tão grande assim, pois após algumas quedas elas acabariam aprendendo a andar; mas um exemplo desse tipo intimida e dissuade usualmente toda tentativa ulterior.

É, portanto difícil para todo homem tomado individualmente livrar-se dessa minoridade que se tornou uma espécie de segunda natureza. Ele se apegou a ela, e é então realmente incapaz de se servir de seu entendimento, pois não deixam que ele o experimente jamais. Preceitos e fórmulas, esses instrumentos mecânicos destinados ao uso racional, ou, antes ao mau uso de seus dons naturais, são os entraves desse estado de minoridade que se perpetua.

Que um público, porém, esclareça-se a si mesmo, é ainda assim possível. Pois então sempre se encontrarão alguns homens pensando por si mesmos.

Esse Esclarecimento não exige todavia nada mais do que a liberdade; e mesmo a mais inofensiva de todas as liberdades, isto é, a de fazer um uso público de sua razão em todos os domínios. Mas ouço clamar de todas as partes: não raciocinai! O oficial diz: não raciocinai, mas fazei o exercício! O conselheiro de finanças: não raciocinai, mas pagai! O padre: não raciocinai, mas crede! (Só existe um senhor no mundo que diz: raciocinai o quanto quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!). Em toda parte só se vê limitação da liberdade. O uso público de nossa razão deve a todo momento ser livre, e somente ele pode difundir o Esclarecimento entre os homens.

Quando se pergunta, portanto: vivemos atualmente numa época esclarecida? A resposta é: não, mas numa época de esclarecimento. Muito falta ainda para que os homens, no estado atual das coisas, tomados conjuntamente, estejam já num ponto em que possam estar em condições de se servir, com segurança e êxito, de seu próprio entendimento sem a tutela de outrem.

Texto de Immanuel Kant, 1784.

Tradução de Luiz Paulo Rouanet

A Verdade e a Ilusão

Nenhuma teoria, ideologia, crença ou dogma pode lhe dizer a Verdade. A Verdade vem diretamente ao coração e não é resultado do pensamento contemplativo. Você não pode “pensar” seu caminho para a Verdade. A Verdade é o imutável que você é.
Quando você está acordado, a realidade acordada é a sua verdade. Quando você está dormindo, é a realidade dos sonhos. E no sono profundo, a ausência de objetos de sentido e mente é a sua verdade. Mas quem é o “conhecedor” de acordar, sonhar e dormir profundamente? No momento em que alguém afirma conhecer a Verdade, ele ou ela inventou uma imagem imaginária da fonte ou da realidade final.
Qualquer modelo que afirme conceituar essa Verdade não é a Verdade. Os modelos e conceitos são apenas os ponteiros. Eu também. Eu não sou um professor, mas um letreiro. Você tem que chegar à Verdade através de sua própria experiência pessoal e compreensão. Tudo o que posso fazer é dar-lhe conceitos que possam saciar sua curiosidade intelectual até certo ponto, mas eu não sou o agente que pode trazer uma compreensão espiritual em você.
A verdade não pode ser conhecida como uma experiência. A verdade é o seu “ser”. Sua essência. A verdade não pode estar dentro do continuo espaço-tempo porque o tempo implica movimento. Você conheceu o tempo apenas como pensamento; ele não tem existência separada própria. Por exemplo, se você perguntar, quando o tempo surgiu? É uma pergunta errada porque você está usando o próprio tempo como referência para investigar sua origem, o que é impossível.
Não pode haver um “quando” fora do tempo. Então, é o pensamento que cria a ilusão do tempo. No sono profundo, não há movimento e, portanto, nenhuma inferência de tempo. Portanto, sua ideia de ser um indivíduo com nome e forma como uma entidade separada e viver uma existência limitada no mundo objetivo são uma ilusão criada pelo tempo e não pode ser a verdade. A verdade é atemporal. O despertar é uma realização espontânea impessoal onde a ilusão da existência individual se dissolve. Não é o resultado de uma mente pensante que funciona no tempo.
A principal causa do nosso sofrimento é uma forte identificação com o movimento. Quando a dor surge, dizemos: “Estou com dor”, quando o prazer surge, dizemos: “Estou feliz”. Este “eu-pensamento” se liga a objetos de desejo (pensamentos, sentimentos e emoções) que se manifestam como um movimento no tempo. Quando estamos fortemente ligados a objetos, esquecemos que somos testemunhas do movimento de objetos e não dos próprios objetos. O indivíduo que permanece vinculado a ideias, crenças, conceitos e dogmas sofre porque ele (ou ela) escolhe os lados.
Quando as coisas acontecem de acordo com suas preferências, ele se sente feliz; caso contrário, ele permanece infeliz, o que é principalmente o caso. Mas você não está nos ensinando que não somos o corpo e a mente? Isso não é um ensinamento? Não, não é. Tudo o que estou fazendo é contar histórias na forma de conceitos. Se é ou se tornar sua verdade depende da sua experiência pessoal.
Estou falando da paz de espírito que surge como um acontecimento atemporal impessoal. Nessa paz, a preocupação do indivíduo com o certo e o errado se dissolve. Todos os resultados são aceitos. Essa paz não é o resultado do esforço de um indivíduo. É simplesmente a consciência pura que brilha sozinha quando a mente percebendo a futilidade de seus esforços suspende o movimento. Essa consciência não é um objeto na mente.
É auto luminoso. É puro amor. É a verdadeira liberdade que o indivíduo experimenta como paz de espírito com aceitação completa do que é. Nenhum método ou prescrição pode revelar essa verdade, nem pode aliviar completamente o sofrimento do indivíduo.
Métodos e prescrições podem fazer com que o indivíduo se sinta melhor temporariamente. Você pode fazer meditação, ioga, terapia, crossfit, academia ou o que preferir, mas isso só dá alívio momentâneo. Não me entenda mal, estes são incrivelmente benéficos, mas o senso de existência individual, por si só, é como uma prisão.
A existência individual implica separação da fonte (consciência pura), e a separação é o ciclo alternado interminável de dor e prazer. Toda tentativa de fazer o indivíduo ou pessoa se sentir melhor é como tornar a prisão confortável. Faça isso por todos os meios. Mas prisão é prisão.
Do livro The End of Me and My Story de Jagjot Singh

Sobre a violência e a tristeza

Acho que existem realmente dois problemas fundamentais, violência e tristeza. A menos que os resolvamos e os ultrapassemos, todos os nossos esforços, nossas constantes batalhas, têm muito pouco significado. Parece que passamos a maior parte de nossas vidas no campo das ideologias, fórmulas, conceitos, e por meio deles tentamos resolver esses dois problemas essenciais, a violência e a dor.
Toda forma de conflito é violência, não só o conflito psicológico, dentro da pele, mas também exteriormente, nas nossas relações com outros seres humanos, com a sociedade. E a dor, parece-me, é um dos problemas mais complexos e difíceis; a própria complexidade disso precisa ser abordada de maneira muito simples.
A tristeza, a auto piedade que faz parte dessa tristeza, a solidão, a total falta de sentido da vida, o tédio, a rotina, privam a vida de todo senso de propósito, então inventamos propósito; os intelectuais elaboram propósitos ideológicos segundo os quais tentamos viver. E não sendo capazes de resolver esses problemas, voltamos a algo que foi, seja na nossa juventude, seja na cultura da tradição, dependendo da raça, país e assim por diante. Quanto mais o problema se torna urgente, mais escapamos a alguma forma de explicação ideológica do passado ou a algum conceito ideológico do futuro, e ficamos presos nessa armadilha. E observa-se, tanto no Oriente como no Ocidente, as fugas para todas as formas de entretenimento, seja o entretenimento da Igreja, ou o entretenimento do futebol, ou o cinema – e todo o resto.
Não se pode confiar em ninguém, em salvadores, mestres, nem em ninguém, incluindo o orador. E quando rejeitamos totalmente todos os livros, filosofias, santos e anarquistas, estamos frente a frente com nós mesmos como somos. Isso é uma coisa assustadora e bastante deprimente: nos vermos realmente como somos. Nenhuma quantidade de filosofia, nenhuma quantidade de literatura, dogma, ritual vai resolver essa violência e tristeza. Acho que, em última análise, é preciso chegar a este ponto e resolver e ir além.
Não se pode entender nada intelectualmente – você pode ouvir palavras, dar explicações, descobrir a causa, mas isso não é entender. A compreensão – como se observa a si mesmo – ocorre apenas quando a mente, incluindo o cérebro, está totalmente atenta. E não se está atento quando se está interpretando e traduzindo o que se vê de acordo com seu background. Você deve ter notado que quando a mente está completamente quieta, não exigindo, não se preocupando, não despedaçando o problema, é que realmente enfrenta o problema com completa quietude e então há um entendimento. Essa mesma compreensão é a ação, a força ou energia libertadora, que nos liberta do problema; compreensão é ação imediata.

Texto de J. Krishnamurti – Paris 1967

Sobre ser voluntário

O voluntariado, no Brasil e no mundo, é antigo. Inúmeros exemplos de pessoas que, de verdade, querem ajudar e proporcionar uma vida digna a quem precisa. Solidariedade é uma das bases do voluntariado. Atitudes de pessoas brilhantes que, discreta e anonimamente, fizeram e fazem da vida do próximo, um caminho de esperança e de dignidade. Pessoas cujas obras sim, são as que aparecem. E não elas.

Aqueles que realmente querem e fazem um trabalho voluntário, tendo como base a solidariedade, não divulgam suas obras. Quem realmente quer fazer o bem e aliviar a dor alheia não faz propaganda disso. A medida que o tempo passa e mais pessoas vão colaborando com a obra, aí sim ela aparece. Mas um aparecer por força da própria obra. E não por força de um marketing com segundas intenções.

É preciso deixar que as nossas obras falem por nós. Há muitas empresas e pessoas que agem no anonimato. As obras delas são descobertas muito tempo depois, como deve ser.

Pessoas se descobrem fazendo um trabalho para o outro. No entanto, ninguém pode ser obrigado a fazê-lo. Esta obrigação é disfarçada, como na ingênua pergunta “por que você não participa? É tão gratificante!”  Isto pode caracterizar coação e constrangimento. O voluntariado perde, portanto, o sentido e o propósito.

Somos todos voluntários a nossa maneira. E isto precisa ser respeitado. Não podemos constranger as pessoas. Cada um é voluntário a sua forma. O voluntariado que se obriga é um disfarce para esconder as falsas aparências.

Quem quer fazer o bem, o faz em silêncio. Até para que a dor do outro não seja ressaltada.

Do latim voluntarius, voluntário significa de própria vontade, sem coações, sem constrangimentos. Ter desejo por fazer o bem. Aquele que não faz por imposição do outro.

Há um profundo distanciamento entre o que se diz versus o que se pratica. Ainda fazemos, muitas vezes, o bem porque dá ibope, e não pela atitude em si. Não podemos medir o outro porque ele faz um trabalho voluntário. Será que ele realmente faz ou está lá para receber reconhecimentos? Há sempre os que se beneficiam da hipocrisia.

Ser voluntário é um sentimento genuíno de querer ajudar o próximo a se levantar. É ter compaixão e enxergar o outro com o mesmo direito que o nosso, à dignidade do viver.

O que se vê, muitas vezes, é um aproveitamento da dor alheia como meio de promoção. A hipocrisia é a base do falso voluntariado; o anonimato é a base do verdadeiro voluntariado.

A solidariedade e o voluntariado verdadeiros não se mostram e não se envaidecem. A linguagem do voluntariado é a discrição, o anonimato. O voluntário usa as forças dele para levantar o próximo e não para se apoiar nele para se elevar.

Não somos vendáveis. Nosso espírito de voluntariado não está à venda. Deveríamos ter liberdade para usá-lo quando quiséssemos. Aqueles que se vendem, seja por obrigação ou por opressão, infelizmente, receberão aplausos sobre um caminho falsamente construído.

Que sejam poucas as nossas ações ou até nenhuma, mas que haja veracidade. Se ainda queremos aplausos, nos deslumbramos com os falsos elogios, e o próximo é visto como escada para as nossas idealizações, o voluntariado, definitivamente, não é o nosso lugar.

Ser voluntário é mais que fazer companhia para um idoso, numa tarde de domingo. É ser capaz de compreender a solidão que ele sente e buscar caminhos para diminui-la. É mais que pintar paredes.

É mais que doar dos nossos excessos. É ajudar a construir um possível caminho para que ele não tenha mais necessidades de doações. É mais que contar uma história para uma criança. É fazê-la compreender e se orgulhar da história dela.

O mundo está cheio de falsos bons. Mostram que se preocupam com a dor alheia. Será?

De qualquer forma, já dizia Noel Rosa: “faça o bem, nem que seja pela malandragem.” Ele certamente conhecia o nosso caráter. Mas quem sabe um dia chegaremos ao que Francis Bacon, um filósofo do século XVI, dizia: “na caridade verdadeira não há excesso”.

Sábio ensinamento. Só nos falta o principal: aplicá-lo.

Este texto sobre voluntariado é uma adaptação de artigo de Renata Mathias de Lima publicado em 3/2/2019 no Linkedin

Sobre a dependência

É concebível viver uma vida em que você estaria tão totalmente sozinho que não dependeria de ninguém? Todos nós dependemos uns dos outros para todos os tipos de coisas, não é? Dependemos do açougueiro, do padeiro, do fabricante de velas. Interdependência. Isso é bom! Montamos a sociedade dessa maneira e atribuímos funções diferentes a pessoas diferentes para o bem-estar de todos, para que funcionemos melhor e vivamos de forma mais eficaz — pelo menos assim esperamos.

Mas depender de outro psicologicamente — depender de outro emocionalmente — o que isso implica?
Significa depender de outro ser humano para sua felicidade. Pense sobre isso. Porque se você fizer isso, a
próxima coisa que você fará, esteja você ciente disso ou não, é exigir que outras pessoas contribuam para sua felicidade.

Então haverá um próximo passo — medo, medo da perda, medo da alienação, medo da rejeição, controle
mútuo. Amor perfeito inibe o medo. Onde há amor não há exigências, nem expectativas, nem dependência.

Não exijo que você me faça feliz; minha felicidade não está em você. Se você fosse me deixar, não terei pena de mim mesmo. Gosto imensamente da sua companhia, mas não me apego. Eu aprecio isso em uma base sem apego.

O que eu realmente gosto não é você; é algo que é maior do que você e eu. É uma coisa que eu descobri, uma espécie de sinfonia, uma espécie de orquestra que toca uma melodia na sua presença, mas quando você sai, a orquestra não para.

Quando conheço outra pessoa, toca outra melodia, que também é muito agradável. E quando estou sozinho, ela continua a tocar. O repertório é ótimo e não para de tocar.

É também por isso que estamos hipnotizados, submetidos a lavagem cerebral, adormecidos. Parece assustador perguntar, mas pode-se dizer que você me ama se você se agarra a mim e não me deixa ir? Se você não vai me deixar ser? Pode-se dizer que me ama se precisar de mim psicologicamente ou emocionalmente para sua felicidade?

Quando suas ilusões caem, você finalmente entra em contato com a realidade, e acredite, você nunca mais estará sozinho, nunca mais. A solidão não é curada pela companhia humana. A solidão é curada pelo contato com a realidade. Ah, eu tenho muito a dizer sobre isso.

Contato com a realidade, abandono das ilusões, contato com o real. Seja o que for, não tem nome. Só podemos conhecê-lo abandonando o que é irreal. Você só pode saber o que é solidão quando abandona seu apego, quando abandona sua dependência.

Mas o primeiro passo para isso é que você o veja como desejável. Se você não vê isso como desejável, como você chegará perto disso? Pense na solidão que é sua. A companhia humana algum dia a tiraria? Servirá apenas como distração. Há um vazio dentro, não há? E quando o vazio vem à tona, o que você faz? Você foge, liga a televisão, liga o rádio, lê um livro, procura companhia humana, procura entretenimento, procura distração. Todo mundo faz isso. É um grande negócio hoje em dia, uma indústria organizada para nos distrair e nos entreter.

Traduzido do livro Awareness de Anthony de Mello

O Maior Problema do Mundo

O maior problema do mundo ou o menor problema é o mesmo: o ser humano.

E, quando digo ser humano, não quero dizer algo abstrato; quero dizer eu, você, ele, ela. Não existe nenhuma humanidade; ela é apenas um nome.

A realidade é o indivíduo e o problema surge porque a realidade não é aceita. O real é negado e o irreal, o abstrato, é imposto sobre ele.

Sua vida é a sua vida e ela só pode ser vivida de uma maneira, não há alternativa. E a única maneira que ela pode ser vivida precisa ser encontrada por você mesmo.

Não se trata de algo já pronto como uma grande rodovia, com milhões de pessoas se movendo nela, indo em direção a seus objetivos; e você precisa apenas se juntar à multidão.

Não, não há nenhuma rodovia na existência.

Há somente pequenas trilhas percorridas em total solidão.

E lembre-se: mesmo essas trilhas não estão prontas nem disponíveis a você. Elas só existem no momento em que você as percorre; é através do caminhar que você as cria.

A vida tem um arranjo muito belo e misterioso, ela não o torna como um trem que anda em trilhos.

Um trem não tem escolha, ele não pode ir aonde quiser. Os trilhos são fixos, outro alguém os determinou.

Esses trilhos são o destino, e o trem simplesmente se move de acordo com o que foi ditado por outros.

Ter um destino significa que você nada pode fazer sobre sua vida, é o seu destino.

É isso que tornou o ser humano um problema. O ser humano é consciência e consciência não pode ter nenhum destino. Consciência tem liberdade.

Extraído de  palestra proferida  por Osho.

É possível nunca nos magoarmos?

Ao longo da vida somos feridos. Todos os seres humanos são feridos profundamente, porém a maioria não está consciente disto e a partir daí surgem várias formas de ação neurótica. Tomemos por exemplo a dor que cada ser humano sofre na infância. Somos feridos pelos pais, psicologicamente. Em seguida feridos na escola, na universidade por meio da comparação, através da concorrência.

As consequências são a construção de um muro em torno de si mesmo; o término da sua relação com os outros a fim de não se machucar mais. Há medo e um isolamento gradual. Deve-se investigar por que alguém está ferido e o que está sendo ferido. O que está machucado? Alguém diz: – “Eu estou magoado”. O que é esse “eu” que se magoa?

Desde a infância cada um de nós construiu uma imagem de si mesmo. Alguém tem muitas, muitas imagens; não apenas as imagens que as pessoas fazem dele, mas também as imagens que ele construiu de si mesmo. Alguém se vê como um americano, o que é uma imagem, ou como um hindu ou como um especialista em alguma coisa. Ou a imagem que construiu sobre si mesmo, pode ser a de um grande homem ou um homem muito bom.

Pode-se ter uma imagem de si mesmo como um grande orador, um escritor, um ser espiritual, um líder. Quando se diz que alguém é ferido, significa que as imagens estão feridas.

Se alguém tem uma imagem a respeito de si mesmo e outro vem e diz: – “Não seja um idiota”, a pessoa se machuca. A imagem que foi construída sobre si mesmo como não sendo um idiota é o “eu” que se machuca. Alguém carrega essa imagem e isso dói, para o resto de sua vida, fazendo com que sempre tome cuidado para não se machucar.

Como não se magoar?

Quando se é chamado de idiota e se tem uma imagem a respeito de si mesmo, ocorre uma reação instantânea. Quando não ouvimos o que está sendo dito e reagimos, nos confundimos com a imagem que temos de nós mesmos. Nos sentimos agredidos e reagimos de forma automática para proteger aquela imagem que achamos que somos nós.

Se você ouvir aquilo que está sendo dito, se ouvir com atenção, quando se ouve com atenção completa, não há nenhuma reação, não há mágoa.

Adaptado de texto de J.Krishnamurti