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Compreensão

Só pode haver percepção quando ela não está impregnada de pensamento. Quando não há nenhuma interferência oriunda do movimento do pensamento há percepção, que é uma compreensão imediata de um problema ou das complexidades humanas. Quando se trata de investigar, por nossos próprios meios, como pensar de maneira simples e direta, as definições, e explicações são verdadeiramente prejudiciais. Parece me, pois, que devemos estar bem cônscios de nossa escravização às palavras, sem perdermos de vista, entretanto, que as palavras são necessárias para as comunicações.
Quando você vê o copeiro, tem, um conceito prévio dele; isso não é percepção. Existe um ver sem preconceito? Só uma mente que não tem conclusões prévias pode ver. Olhar esse copeiro sem a prévia
acumulação de preconceitos ou imagens psicológicas é olhar. Portanto, é possível ver sem observador. O
observador é o resíduo do passado e por Isso não pode ver. Se há de haver percepção, o observador deve estar ausente. O pensamento é conhecimento, o qual foi acumulado através da cultura. O pensamento é resposta da memória. Tenho descartado tudo isso. A mente que é livre, altamente sensível, já não está mais carregada com o passado, nessa mente não há observador em absoluto, não há um “eu” que observe. O “eu” é o observador, o “eu” é o passado. Assim é que descartamos a ambos: o observador e o conhecimento; no perceber está a ação de descartar. Quase todos os homens são meros seguidores: consideram autoridade o criador de qualquer coisa e, através da propaganda, das influências, da literatura, imprimem na delicada estrutura cerebral a necessidade de obediência. Que acontece a vocês quando obedecem? Param de pensar. Porque sentem que as autoridades sabem muito, são poderosos, de grandes recursos. Assim, vocês sucumbem, rendem-se, começam a obedecer, se tornando escravos de uma ideia, de uma impressão, da influência. Ao conformar-se a um padrão de obediência, o cérebro já não é capaz de manter sua originalidade, de pensar de maneira simples e direta.
A compreensão não é um dom reservado a poucos, pois vem a todos os que se aplicam seriamente
ao conhecimento de si mesmo. Quando a mente está comparando, não está quieta, está ocupada. Uma mente ocupada é incapaz de percepção simples e clara. É possível olhar, ver, sem essa atividade mental? A atividade mental é sempre pensamento, na forma de ideia, de memória; por conseguinte, não há percepção direta. A percepção pode ser imediata, independe do tempo. Não há nenhum processo gradual de “aprender e perceber”. O que estamos tentando averiguar é se pode haver experiência direta, destituída de todo e qualquer conhecimento, toda instrução, de modo que essa experiência seja verdadeira, e não mera reação de nosso condicionamento como hinduísta, budista, cristão. Mas, tudo o que nos interessa aqui é descobrir se a mente pode, de pronto, despojar-se desta crença, condicionamento, a fim de que surja a percepção direta. Podemos viver mil vidas, praticando autodisciplina, sacrificando, subjugando, meditando, mas por este meio nunca seremos levados à percepção direta a qual só é realizável em plena liberdade, e só pode aparecer com a liberdade, quando a mente se torna cônscia, de pronto, de seu condicionamento, pois então se verifica a cessação desse condicionamento. Isso é difícil para a maioria de nós, porque pensamos que a compreensão é questão de tempo, de comparação, de acumulação de mais informações, mais conhecimento. Mas a compreensão nada disso exige. Só uma coisa ela exige, que é a percepção direta, o ver diretamente, sem interpretação ou comparação.
Quando desejo compreender, examinar uma coisa, não tenho necessidade de pensar: contemplo-a. No
momento em que começo a pensar, a ter ideias e opiniões a respeito da coisa, já me encontro num estado de distração que me desvia da coisa que desejo compreender. Mas, sem dúvida, uma mente que está muito tranquila, que não está sendo distraída pelo seu próprio pensar, que se acha aberta, pode olhar para o problema de maneira muito direta e muito simples. Devemos ser capazes de discernir
compreensivamente, em nós mesmos, a influência que a massa exerce por meio das tradições, dos preconceitos de raça, dos ideais e das crenças a que nos entregamos consciente ou inconscientemente. Enquanto essas coisas nos dominarem, seremos individualmente incapazes de ação clara, direta, simples e compreensiva. Mas só poderão viver completamente quando tiverem a percepção direta, e a percepção direta não se atinge através da escolha, do esforço nascido da memória. Ela está na chama da harmonia da mente e do coração na ação.


J. Krishinamurti

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