O Que É Esclarecimento?
Esclarecimento significa a saída do homem de sua minoridade, pela qual ele próprio é responsável. A minoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela de outro. É a si próprio que se deve atribuir essa minoridade, uma vez que ela não resulta da falta de entendimento, mas da falta de resolução e de coragem necessárias para utilizar seu entendimento sem a tutela de outro.
Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento, tal é, portanto, a divisa do Esclarecimento. A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma parte tão grande dos homens, libertos há muito pela natureza de toda tutela alheia, comprazem-se em permanecer por toda sua vida, menores; e é por isso que é tão fácil a outros instituírem-se seus tutores. É tão cômodo ser menor. Se possuo um livro que possui entendimento por mim, um diretor espiritual que possui consciência em meu lugar, um médico que decida acerca de meu regime, etc., não preciso eu mesmo esforçar-me.
Não sou obrigado a refletir, outros se encarregarão por mim da aborrecida tarefa. A maior parte da humanidade considera o passo a dar para ter acesso à maioridade como sendo não só penoso, como ainda perigoso, sem os tutores que tiveram a “extrema bondade” de encarregar-se de sua direção. Após ter começado a emburrecer seus animais domésticos e cuidadosamente impedir que essas criaturas tranquilas sejam autorizadas a arriscar o menor passo sem o andador que as sustenta, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentam andar sozinhas. Ora, esse perigo não é tão grande assim, pois após algumas quedas elas acabariam aprendendo a andar; mas um exemplo desse tipo intimida e dissuade usualmente toda tentativa ulterior.
É, portanto difícil para todo homem tomado individualmente livrar-se dessa minoridade que se tornou uma espécie de segunda natureza. Ele se apegou a ela, e é então realmente incapaz de se servir de seu entendimento, pois não deixam que ele o experimente jamais. Preceitos e fórmulas, esses instrumentos mecânicos destinados ao uso racional, ou, antes ao mau uso de seus dons naturais, são os entraves desse estado de minoridade que se perpetua.
Que um público, porém, esclareça-se a si mesmo, é ainda assim possível. Pois então sempre se encontrarão alguns homens pensando por si mesmos.
Esse Esclarecimento não exige todavia nada mais do que a liberdade; e mesmo a mais inofensiva de todas as liberdades, isto é, a de fazer um uso público de sua razão em todos os domínios. Mas ouço clamar de todas as partes: não raciocinai! O oficial diz: não raciocinai, mas fazei o exercício! O conselheiro de finanças: não raciocinai, mas pagai! O padre: não raciocinai, mas crede! (Só existe um senhor no mundo que diz: raciocinai o quanto quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!). Em toda parte só se vê limitação da liberdade. O uso público de nossa razão deve a todo momento ser livre, e somente ele pode difundir o Esclarecimento entre os homens.
Quando se pergunta, portanto: vivemos atualmente numa época esclarecida? A resposta é: não, mas numa época de esclarecimento. Muito falta ainda para que os homens, no estado atual das coisas, tomados conjuntamente, estejam já num ponto em que possam estar em condições de se servir, com segurança e êxito, de seu próprio entendimento sem a tutela de outrem.
Texto de Immanuel Kant, 1784.
Tradução de Luiz Paulo Rouanet